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INÊS MIGUEL OLIVEIRA: Altar
14 dezembro 2024 - 26 janeiro 2025







[PT]

Um calvário até ao Altar
Texto de Paula Sá Lima

Saberemos todos o que é um altar mas por uma mania que me acompanha há já muito tempo, gosto de consultar as palavras no dicionário, ficando sempre surpreendida com os portais que me são revelados, que é como dizer, a procura de pontos de partida afim de encontrar ideias. Este texto não é uma excepção pelo que, de acordo com a consulta ao dicionário Priberam, a palavra Altar é definida como sendo uma mesa em que o sacerdote pagão sacrifica à divindade; no catolicismo como sendo uma mesa consagrada onde se celebra a missa (a ambas as definições atribui-se-lhe o nome de Ara); figuradamente como objecto de amor e veneração, religião ou culto.

Calvário, por sua vez, no sentido figurado (e apenas este me interessa) é definido como um grande sofrimento. E o que é vida senão um calvário? Uma travessia mais ou menos penosa pelos traumas, desilusões, medos, desejos, regozijos (sim, porque os desejos e regozijos poderão ser também lugares de dor) tão bem explorados pela Inês através da sua pintura e a sua mais recente cerâmica que nos convida à comunhão com o sagrado, à participação de um ritual em que ela, sacerdotisa, depõe sobre a Ara o corpo a sacrificar. Com Altar-Cama é-nos estendida uma visão desse calvário, um caminho insidioso forjado com agulhas e algodão – as agulhas que ferem e o algodão que conforta – enaltecendo as suas características de terreno traiçoeiro através da colocação de peças de cerâmica numa alusão à (sua) vida que não me pertence aqui narrar.

Com a sua pintura, a Inês não constrói imagens; reconstrói, de forma despudorada, a ideia de trauma, fobia e medo. Claustrofobias compositivas através de imagens cerradas em si mesmas. Pensamentos denunciados pelas violentas pinceladas com que exorciza os demónios que a visitam à noite valendo-se da sua solidão e vulnerabilidade. Vejam-se as pinturas: Pedindo Piedade aos Pássaros da Noite e Lar, intestinos, luar, The Pale que de forma bastante audível encerram os seus gritos mudos. Põe sobre a Ara o que pensa ser e o que não sabe que é. O sacrífico da Inês é a honestidade e a complexidade da sua obra, onde impera a absoluta necessidade de alguma coisa contar, de criar, de expiar, levando-a à construção deste (seu) Altar.


INÊS MIGUEL OLIVEIRA
é uma artista Portuguesa. Vive e trabalha em Londres. O seu trabalho reflecte sobre as experiências do quotidiano, desde a auto-análise introspectiva a observações mundanas. Memórias, nostalgia, catarse e dor coabitam com narrativa, humor e as suas personagens. Estas personagens, por vezes figurativas e, por outras, abstractas, contam histórias silênciosas, observando-se braços e pernas que crescem, dobram e torcem-se, procurando-se uns aos outros numa dança poética, acompanhada de cores e formas sugestivas e, por vezes, sexuais.

A sua primeira exposição a solo, Swimming with Whales, realizou-se na Liquid Gold Studios, em Londres. Outras exposições incluem Light on Your Feet (GG3 Project Space, Berlim), A Slash of Blue (Gerald Moore Gallery, Londres), Custard Cowboy (Liquid Gold Studios, Londres), Mind (Kingshill House, Dursley), Shame Shouldn’t Be a Symptom (Improper Walls, Viena) e Bienal Internacional de Arte de Espinho.

Foi a artista em foco na revista Venti (Volume Two, Issue Three, “Wind”) e em 2019 recebeu o segundo lugar na Glyndebourne Tour Art Competition.

cargocollective.com/inesmigueloliveira

[EN]

A calvary to the Altar

Written by Paula Sá Lima

We should all know what an altar is, but a quirk that has been present in my life for a while now compels me to consult the definition of words in the dictionary. The portals that are revealed are always a surprise, and with this I mean the search for starting points that, consequently, lead to ideas. This text is no exception and, therefore, according to Priberam, the word Altar is defined as being a table where the pagan priest pays sacrifice to a divinity; in Catholicism, it is the table where mass is celebrated (in both definitions, the name Ara is attributed); figuratively, it is an object of love and veneration, religion or cult.

Calvary, in its figurative meaning (and my interest lies solely on this one), is defined as great suffering. And what is life but a calvary? A journey more or less painful due to trauma, disappointment, fear, desires, pleasure (yes, for desire and pleasure can also be places of pain), so well explored by Inês through her paintings and her most recent ceramic work that invites us to a communion with the sacred, to participate in a ritual in which her, as the priestess, deposits on the Ara the body to sacrifice. With Altar-Cama we have a vision of this calvary, an insidious path forged with needles and cotton – one hurts and the other comforts – pointing out to its nature as a treacherous path with the use of the ceramics scattered through the crochet piece, in an allusion to (her) life that I shall not narrate here.

With her paintings, Inês does not construct images; she reconstructs, shamelessly, the idea of trauma, phobia and fear. Compositional claustrophobia through images closed in themselves. Thoughts denounced through the violent brushstrokes with which she exorcises the demons that visit her at night, feeding on her solitude and vulnerability. The works Pedindo Piedade aos Pássaros da Noite, as well as Lar, intestinos, luar and The Pale very audibly contain her muted screams. She places in the Ara that what she thinks she is and what she doesn’t know she is. The sacrifice of Inês is honesty and the complexity of her work, where the absolute necessity of telling stories, creating and spying reigns, leading her to the creation of the (her) Altar.


INÊS MIGUEL OLIVEIRA
is a Portuguese artist. She’s currently based in London. Her work reflects on theexperiences of daily living, from introspective self-analysis to mindless observations. Memories, nostalgia, catharsis and pain cohabit with narrative, humour and her characters. These characters, at times figurative and at times abstract, tell silent stories, growing arms and legs that twist and bend, reaching out to each other in a poetic dance, encompassed by suggestive, at times sexual, shapes and colours.

Her first solo exhibition, Swimming with Whales, was held in Liquid Gold Studios in London. Other exhibitions include Light on Your Feet (GG3 Project Space, Berlin), A Slash of Blue (Gerald Moore Gallery, London), Custard Cowboy (Liquid Gold Studios, London), Mind (Kingshill House, Dursley), Shame Shouldn’t Be a Symptom (Improper Walls, Vienna) and Espinho International Art Biennial.

She was the featured artist on Venti (Volume Two, Issue Three, “Wind”). In 2019, she was awarded the second place at Glyndebourne Tour Art Competition.


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